Carlos Leão limpava uma
fotografia do bisavô. O velho Leão exibia uma bengala e um farto bigode. A
mulher e os filhos, aos pés, olhavam-no com admiração. Carlos tinha dois filhos
de tenra idade. A mulher, Adélia, era uma magistrada famosa que interrogava os
mauzões durante horas a fio. Carlos limpava as pratas, alinhava os pratos para
o jantar, deixava a comida em boiões e preparava o leite das crianças antes de
sair de casa. Durante o dia corria de um lado para o outro: Era estafeta de uma
empresa de pizzas e na hora de almoço
vendia cautelas que andariam à roda no dia a seguir. Depois de pagar as contas
e telefonar ao canalizador para consertar um cano arrebentado, Carlos conduzia em direcção ao infantário para
recolher os bebés. Horas de estio ao
trânsito e ao berradouro das crianças. Quando chegou a casa, ligou a televisão
para ver o futebol. Tirava a t-shirt e com fita-cola prendia os biberões ao peito
depilado. A bola rolava e as crianças chupavam. No intervalo, aproveitava para
deitar as crianças e, finalmente, encostava-se para ver a segunda parte do
jogo... Adélia chegava a casa com um loiro de um metro e noventa. “ É o meu
arguido e vai cumprir pena comigo”, “ Ritz cumprimenta o Carlos…Hai!”…E no
momento em que a bola entrava na baliza adversária, Carlos Leão olhava para a
foto de família e prometia ao bisavô que iria deixar crescer o bigode…
domingo, 15 de junho de 2014
quinta-feira, 5 de junho de 2014
Roque Livreiro
Jeremias Lévi era escritor de sucesso. Vendia
livros como cerejas. Multiplicava a voz do narrador em múltiplas vozes na hora
da venda. Adaptava o discurso a cada um dos seus leitores: Prometia cama às
novas, o paraíso às velhas, fortuna aos descamisados, alma aos milionários e milagres
aos descrentes.
Com o lucro das vendas, Jeremias comprou vinte igrejas pelo
País. Os santos foram substituídos por fotos de Lévi e os altares transformados
em prateleiras com os seus livros.
Todas as semanas Jeremias debitava o que as
pessoas queriam ouvir : mentiras almofadadas sobre as quais se ajoelhavam para tomar a
palavra…
Até que um dia
numa procissão de velas, distraídos com a eloquência de Jeremias, os leitores deixaram arder os livros…
Todos os direitos de autor reservados
Subscrever:
Mensagens (Atom)