segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Microconto N.º1 : Sessenta Quilómetros Hora

Leónidas Robometálico monitorizava, no centro de tráfego urbano, um ford vermelho. A fiesta agridoce começava. Leónidas conseguia ouvir as mentes dissonantes dos condutores; sempre à procura do elixir da felicidade eterna. Uma cacofonia imprecisa pintalgava harmónicas melodias. Eis o sistema de som das almas humanas!
As mentes não obedeciam aos corpos retalhados pelas emoções universais: o medo do desconhecido, a ânsia de amor eterno, o desejo da foda perfeita ou o lugar quente da morte certa.
Robometálico queria ter asas para voar para o sétimo círculo. Não era a colonização humana que receava, era a clonização que o impressionava. Sempre os mesmos lugares comuns, os mesmos rituais, as mesmas conversas, as mesmas rotundas para circundar, para não sair de sítio algum.
Entre um cigarro, a queimar-lhe as pontas dos dedos e uma cerveja abundante, Leónidas desligou a maquinaria do centro de vigilância. Os ratos humanóides, obcecados pela bulimia dos sentidos, continuavam a acelerar… Leónidas,   o herói do trânsito existencial , tinha um corpo para manter e uma alma para resgatar…
Num impulso eléctrico, desligou a luzes. Quando se preparava para sair, surge uma leoa de olhos faiscantes, curvas perigosas e dentes prontos para acção. Encostou-o à parede, para o revistar pelas infracções ao sentido da vida. Sentiu o seu sinal, entre as calças, a ficar vermelho. Quis entrar …Leónidas resistiu à velocidade do desejo. Acabou por ceder e  aumentar a rotação da insensatez. Fez ali a revisão, em cima da mesa, sem luz, sem nada…
A síntese dos corpos não apagava a dialéctica dos espíritos derretidos. A mulher desapareceu em direcção ao fim do mundo, onde não há placas de trânsito, nem fiesta que nunca acabe…
De súbito, ainda a apertar as calças, surge o chefe Leão da Areosa:
- Que vem a ser isto?..
- Estive a rezar, chefe…Vai uma passa?...
  Eis que o mundo torna-se, novamente, insanamente, o possível…

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