quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Microconto n.º 3: O Velho Rabugento


Elias Natavidade olhava , todos os dias ,para o tecto de sua casa. Via o céu azul, os pássaros a recortar as nuvens passageiras , o sol a esconder-se entre pingos de chuva e , ocasionalmente, um arco-íris enchia-lhe a alma.

Todos os dias , olhava o espelho, antes de sair de casa.Arranjava os poucos cabelos, limpava os óculos garrafais, fechava , à pressa, a braguilha e ,curvado, batia com a porta.

Manifestos , panfletos e ladainhas ideológicas misturavam-se com os produtos milagrosos contra a evasão capilar, em enorme vitrinas, polidas pelos cidadãos obedientes.

Elias, em passo acelerado, chega à uma das casas de “strip ideológico”. Mete-se numa cabine e, sem se mexer, pronuncia palavras contra o vizinho, o chefe da aldeia, a mulher do peixe, o carregador de pianos, o burguês imprevisto, a fingida cibernética e o cão do talhante. 

Volta para o lugar seguro , o seu sofá coberto de panos com galos e outras pantominices, de sua casa. Antes de regressar, compra o jornal, num acto irreflectido, e como não concordava nada com o que escreviam , usou-o para embrulhar duas romãs, que saltavam das árvores , no Jardim da Liberdade.

Fechou a porta de sua casa. Pousou as romãs junto dos óculos esquecidos.Encerrou-se no seu mundo e ao olhar para o pé direito de sua casa, percebeu que tinha telhados de vidro.

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